Os Djeoromitxi na Terra Indígena Rio Guaporé

Data da Publicação: 04/09/2017


OS DJEOROMITXI NA TERRA INDÍGENA RIO GUAPORÉ

 

 

Texto de Nicole Soares-Pinto

 

(Universidade Federal do Espírito Santo)

 

 

 

     Os Djeromitxi, outrora conhecidos como Jaboti, residem hoje em sua maioria na T.I. Rio Guaporé, estado de Rondônia. Sua língua foi inicialmente classificada por Aryon Rodrigues (1986) [1], como “isolada”. Contudo, estudos linguísticos mais recentes apontam o pertencimento da língua djeoromitxi ao tronco Macro-Jê (Ribeiro & Van Der Voort 2010)[2]. Os Djeoromitxi convivem ali num rico espaço multi-étnico e pluri-língue, constituído pelos Djeoromitxi e Arikapo, de lingua macro-jê; os Makurap, Wajuru, Tupari, de língua tupi-tupari; os Aruá e Massacá, de lingua tupi-mondé; os Kanoé, de língua kanoé; os Kujubim, e indivíduos Wari’, ambos de língua txapacura (esses três últimos povos só recentemente conhecidos pelos primeiros).

 

     A T.I. Rio Guaporé é composta territorialmente pela aldeia Ricardo Franco; Baía da Coca;   Baía das Onças; Baía Rica, os locais “Mata Verde” e o “Uruçari”. A T.I. Rio Guaporé abrigava 911 pessoas, segundo censo do IBGE de 2010. A aldeia Ricardo Franco compreende o Posto Indígena e nas suas cercanias imediatas têm-se muitas casas chefiadas por homens de diversos povos. Na Baía da Coca estão algumas famílias chefiadas por homens Makurap e Tupari. O Uruçari é local de uma família extensa Tupari e outra Massacá, e a Mata Verde é local Makurap. A Baía das Onças é reconhecidamente território Djeromitxi, bem como a Baía Rica, local de uma só família extensa. As alianças matrimoniais realizadas no interior da Terra Indígena Rio Guaporé se dão entre todos os povos e os cônjuges acabam por circular entre as aldeias. O acesso para a T.I. Rio Guaporé, desde a cidade de Guajará-Mirim, ou de qualquer outro ponto, só pode se dar pelo rio Guaporé.

 

     Os Djeoromitxi, Arikapo, Makurap, Wajuru, Tupari e Aruá integram numa área geográfica contínua o que Galvão (1960) denominou a “área cultural do Guaporé”, e o que Denise Maldi (1991) caracterizou como o “Complexo Cultural do Marico”. Maricos são cestas/bolsas de fibras de tucum, tecidas em pontos miúdos ou médios, de vários tamanhos. Sua confecção é exclusivamente feminina, apesar de serem utilizados por homens e mulheres para transportarem produtos da roça e da coleta. A alça do marico é cuidadosamente ajeitada na testa, a fim de que o peso seja distribuído pelas costas. Segundo Maldi (1991: 211), esse artefato seria não só característico, como também exclusivo aos grupos dos afluentes da margem direita do médio rio Guaporé, que hoje habitam a T.I. Guaporé e a T.I. Rio Branco, ambas situadas no Estado de Rondônia. A população na T.I. Rio Guaporé, onde a pesquisa aqui apresentada foi desenvolvida, ultrapassa 700 pessoas, e é composta por Makurap, Wajuru, Djeoromitxi, Tupari, Aruá, Arikapo, Canoé, Kujubim, Massacá e alguns individuos Wari´. Neste cenário, os Makurap são os mais populosos (220 pessoas), seguidos pelos Djeoromitxi (187 pessoas) e Wajuru (110 pessoas)[3].

 

     Os povos do “Complexo do Marico” foram localizados nas primeiras décadas do século XX nos afluentes do médio rio Guaporé, na Amazônia Meridional. Embora sempre mencionados em conjunto seja pela historiografia, seja pela etnologia, a história e organização social de tais povos são até hoje pouco conhecidas. Dentro deste quadro de parcas referências, a notável exceção são os estudos etnográficos de Franz Caspar sobre os Tupari, realizados nas décadas de 1940 e 1950[4]. A vida nos afluentes do médio rio Guaporé é hoje lembrada como o “tempo da maloca”, em referência às estruturas arquitetônicas de tipo “colméia”, que Lévi-Strauss (1948) julgou ser exclusivo daqueles povos, e as quais nenhum dos jovens de hoje teriam sequer visto se não fossem as iniciativas de resgate e valorização cultural.

 

     Conforme Caspar, as aldeias Jaboti (como eram conhecidos os Djeoromitxi) formavam um continuum próximo no curso da margem direita do Rio Branco; não muito distante dali havia apenas uma aldeia Arikapo e, ainda na região visitada por Caspar, havia duas aldeias Makurap e duas aldeias Wajuru (1953a: 6). A partir do estabelecimento mais extensivo da empresa seringalista, e com as epidemias de sarampo ocorridas nas malocas, os sobreviventes passaram a se dirigir aos barracões e colocações. Há famílias que se aproximaram mais dos barracões São Luís ou Laranjal, caso dos Makurap e dos Tupari, enquanto outras permaneceram circulando com maior intensidade entre as colocações de seringa, caso dos Wajuru, Djeoromitxi e Arikapo. O importante é notar que essas famílias que permaneciam circulando entre as colocações lograram uma maior liberdade no cultivo de roças, na criação dos animais domésticos (galinhas, patos e cachorros), na alimentação com carne de caça e na produção de bebida fermentada para ofecerer a quem passasse por ali. Todos esses elementos constituem fortes características de uma acomodação territorial indígena, nos termos de meus interlocutores.

 

     Assim, a valorização da cultura indígena passa pela produção de suas roças de macaxeira, milho e amendoim para a confecção, exclusivamente feminina, da bebida fermentada, chamada chicha em português, e hibzi, em djeoromitxi. Em todos os trabalhos e todas as festas a chicha é ofertada pelo grupo anfitrião.

 

     Outro aspecto importante de sua cultura material é o cultivo, por parte das mulheres, de algodão para a produção de redes (tetä) e marico (dü), bem como a coleta de tucum para a produção dos maricos. O banco do pajpe (Küero nĩ), e as esteiras (nĩ), confeccionados principalmente por homens da palha de auriciuri, são muito valorizados e sua produção é objeto de preocupação e cuidados. Além disso, a produção dos óleos de palmeiras (auricuri, patoá e najá), trabalho feminino, é um aspecto importante de sua vida, por proporcionarem juventude, beleza e proteção contra espíritos malignos. As larvas (hanõ) dessas palmeiras são um alimento culinário essencial no cotidiano indígena.

 

     Os Djeoromitxi valorizam muito a docência nas escolas indígenas e os professores André Kodjowoi, Armando Moero, José Roberto, Alina e Vandete Djeoromitxi são referências educacionais e políticas em suas comunidades.

__________

[1] RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. 1986. Línguas Brasileiras: Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola.

 

[2] RIBEIRO, Eduardo Rivail & VAN DER VOORT, Hein. 2010. “The inclusion of the Jabutí language family in the Macro-Jê stock”. International Journal of American Linguistics, 76(4):517-750.

 

[3] Censo de Nicole Soares-Pinto (2013).

 

[4] Ver Caspar (1953 a; 1953 b; 1955 a; 1955 b; 1958; 1976).

Este site usa cookies para garantir que você obtenha a melhor experiência.